Limites do arrendamento por grandes produtores


Sabe-se que em caso de venda de imóvel rural arrendado, o arrendatário (quem aluga a terra) tem preferência na aquisição em iguais condições oferecidas a terceiros. A Lei tem por finalidade certa proteção econômica e social, considerando que o arrendatário já dedicou significativa quantidade de tempo na exploração da área, estabeleceu-se socialmente no local de exploração, causou impacto na economia local, realizou investimentos, etc. Analisando a questão de forma mais técnica, verifica-se que o Estatuto da Terra (Lei n. 4505/64) trata da questão do direito de preferência sem fazer qualquer ressalva ou limitação quanto a tratar-se de pessoa física ou jurídica ou quanto ao porte do arrendatário, se pequeno, médio ou grande. Pela leitura da Lei o arrendatário tem direito de preferência na aquisição da propriedade nas mesmas condições oferecidas a terceiro. E ponto. Mas, o Estatuto da Terra tem um regulamento, Decreto n. 59566/66, que em grande parte praticamente repete o que diz a Lei. Trata de pormenores de forma mais detalhada, é verdade. Contudo, em regra, o regulamento de uma Lei não pode restringir direitos, por exemplo, no campo em que a Lei não o fez. Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, houve surpresa quanto à interpretação e aplicação do Estatuto da Terra e seu regulamento justamente em caso envolvendo direito de preferência em virtude de arrendamento de imóvel rural. A situação envolveu uma empresa do agronegócio considerada de grande porte e que figurou como arrendatária de determinada área rural. O imóvel arrendado foi vendido para um terceiro sem que fosse oportunizado à empresa arrendatária exercer o direito de preferência na aquisição, conforme prevê a Lei. A empresa arrendatária, então, propôs uma ação fundamentada no Estatuto da Terra de forma que depositou o preço da venda em juízo a fim de que lhe fosse dado o direito à aquisição, seguindo as determinações da Lei. O Tribunal do Estado que julgou o caso entendeu pelo direito da empresa em adquirir a propriedade, aplicando as determinações do Estatuto da Terra. O STJ, contudo, reformou a decisão do referido Tribunal e determinou a aplicação da redação do regulamento do Estatuto da Terra que restringe o direito de preferência para o produtor que explore a área de forma direta e pessoal, que não era o caso da referida empresa considerada de grande porte. E a questão se complica um pouco mais na medida em que o referido Decreto define a exploração direta e pessoal “na qual o proprietário, ou arrendatário ou o parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência, utilizam assalariados em número que não ultrapassa o número de membros ativos daquele conjunto”. Nesse caso foi discutido especificamente o direito de preferência, mas todos os demais benefícios estabelecidos pelo Decreto exigem, dentre outras coisas, a exploração direta e pessoal por parte do arrendatário segundo a citada definição. Trata-se de um precedente e não obriga (ao menos por ora) que o entendimento seja adotado em todas as instâncias e em todos os tribunais. Mas decisões dessa natureza tem grande peso e costumam nortear as demais instâncias, sendo que com o passar do tempo tendem a se consolidar. Por isso, os contratos agrários devem ser ajustados minuciosamente e de acordo com a lei (e respeito regulamento) que melhor reflita o interesse das partes de forma a evitar surpresas com interpretações inesperadas como no citado entendimento adotado pelo STJ que pode causar insegurança no agronegócio. Fábio Lamonica Pereira Publicado na edição n. 79 da revista AgroDBO


Postado por:
Fábio Lamonica Pereira

Advogado em Direito do Agronegócio

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