Uma nova securitização?


Tem sido desanimador o cenário pelo qual tem passado os agricultores de maneira geral. Apesar dos elevados números apresentados pelo setor de agronegócios, respondendo por grande parte do PIB brasileiro, a realidade do campo é muito diferente. Todos sabem que o Governo Federal recentemente implementou um programa de “renegociação” de débitos em benefício dos produtores rurais cujas lavouras sofreram danos em conseqüência de alterações climáticas. Também não é segredo que os “benefícios” foram minúsculos e os produtores continuam a pagar dívidas da safra 2004/2005 em diante. É fato que as alterações climáticas a que temos assistido não podem ser previstas, ao menos em sua totalidade, pelos profissionais da área. Contudo, os produtores rurais, os que mais sofrem diretamente com tais conseqüências, não podem arcar sozinhos com os prejuízos. Muitos produtores que sofreram com a estiagem ou excesso de chuvas por duas safras seguidas foram obrigados a abandonar a atividade ou, atualmente, estão com sua capacidade de pagamento mais que saturada, aguardando a propositura de ações judiciais por parte dos credores. Para grande parte desses agricultores, as medidas apresentadas pelo Governo foram insuficientes para resolver a questão, sendo absolutamente insustentável o pagamento de dívidas passadas acumuladas involuntariamente, juntamente com dívidas comuns que foram contraídas para a implantação de lavouras nas safras atuais. O que se tem visto é uma verdadeira avalanche de ações, muitas delas ilegais, seja de busca e apreensão de maquinários agrícolas, seja de execução de operações de crédito de custeio e investimento, etc. Enfim, os produtores, além de se preocuparem com a produção de alimentos das safras atuais, ainda precisarão enfrentar a fome insaciável dos credores que tentam a todo custo espoliar seus bens, incluindo suas terras, para saldar as dívidas que contraíram para a produção de alimentos. Pelo temor de que o endividamento aumente, trazendo ainda mais problemas, os devedores sequer gostam de falar em “rolagem” de dívidas da forma como os programas tem sido formulados. Não há como negar que a atividade dos produtores rurais é diferenciada. Como tal, precisa ser tratada de maneira que, na prática, os valores devidos a título de “custeio, investimento ou comercialização” aplicados na atividade rural sejam exigidos de acordo com sua capacidade de pagamento, o que dependerá diretamente da produção alcançada. Neste momento, é necessário que o Governo Federal intervenha diretamente, implantando um verdadeiro plano de renegociação, uma nova securitização. Tal plano deveria englobar todos os débitos dos produtores, independente de quem seja o credor, com estipulação, por exemplo, de juros de 3% ao ano, prazo de vinte anos para pagar, tudo de maneira a tornar a atividade produtiva viável. Para tanto, os produtores precisam se mobilizar junto aos órgãos de classe, utilizar sua força para pressionar aqueles que podem tomar atitudes práticas para mudar a situação, a qual tem se caracterizado como uma “situação de emergência”. Enquanto isso, também é necessário que se utilizem dos meios de defesa existentes para coibir práticas ilegais que continuam a ser adotadas por bancos, cooperativas, fornecedores de insumos, etc. Em determinados casos, é possível somente a defesa e, em outros, é necessário que também haja ataque direto com proposituras de medidas judiciais a fim de fazer valer os direitos assegurados em lei.


Postado por:
Fábio Lamonica Pereira

Advogado em Direito do Agronegócio

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