A Ilegalidade da Tributação do Lucro Distribuído por Optantes do Simples Nacional
O cenário tributário brasileiro, já complexo por natureza, acaba de ganhar mais um capítulo de insegurança jurídica protagonizado pela Receita Federal. Com a recente publicação da Lei Ordinária nº 15.270/2025, voltada à tributação de altas rendas, o Fisco apressou-se em divulgar um documento de "Perguntas e Respostas" que, em seu Item 10, decreta o fim da isenção de dividendos para o Simples Nacional acima de R$ 50 mil mensais.
Segundo a Receita, a isenção prevista no art. 14 da Lei Complementar nº 123/2006 "deixou de ser aplicada". No entanto, uma análise técnica mais profunda revela que essa interpretação não apenas fere a hierarquia das normas, como viola frontalmente a Lei Complementar nº 95/1998, que disciplina a elaboração e vigência das leis no Brasil.
O Silêncio da Lei e o Ruído do Fisco
O ponto central da discussão reside no fato de que a nova Lei nº 15.270/2025 não revogou expressamente a isenção do Simples Nacional. E, no Direito Brasileiro, o silêncio da lei não pode ser preenchido pela vontade do arrecadador.
A Lei Complementar nº 95/98 é a norma que ensina o legislador a legislar. Em seu artigo 9º, ela consagra o princípio da revogação expressa: "A cláusula de revogação deverá relacionar expressamente as leis ou disposições revogadas".
Ao analisarmos o texto da Lei 15.270/2025, vemos que ela cumpriu essa regra ao revogar expressamente o art. 11 da Lei 9.250/95. Porém, em momento algum, houve qualquer menção ao artigo 14 da Lei do Simples Nacional. Se o Congresso Nacional quisesse acabar com a isenção do IR na distribuição de lucros das micro e pequenas empresas, a LC 95 obrigaria que isso estivesse escrito com todas as letras na nova lei. Se não está escrito, não existe.
A Invenção da "Revogação Tácita"
Ao afirmar que a isenção "deixou de ser aplicada" sem que a lei a tenha revogado, a Receita Federal tenta aplicar uma revogação tácita, instituto abominado pela técnica legislativa moderna por gerar instabilidade e surpresa ao contribuinte.
Estamos diante de uma tentativa de alteração legislativa por via administrativa. O Fisco ignora que:
- Por Hierarquia: Uma Lei Ordinária (15.270) não pode revogar tacitamente uma Lei Complementar (LC 123);
- Especialização: A Constituição determinou expressamente que toda a matéria referente ao tratamento diferenciado a ser dispensado às micro e pequenas empresas, inclusive de natureza tributária, deveria ser tratada exclusivamente por Lei Complementar e, obviamente, só através dela alterada e/ou revogada.
- Por Técnica Legislativa (LC 95): A revogação de dispositivos legais, inclusive benefícios fiscais, exige comando expresso no texto legal.
O que a Receita Federal propõe em seu "Perguntas e Respostas" é que, por conta de uma Lei Ordinária (15.270/2025) o contribuinte pessoa física passe a sujeitar-se à tributação do IR, nos lucros a ele distribuídos por empresas optantes do Simples Nacional, mesmo havendo previsão expressa em Lei Complementar (123/2006) do contrário. Isso não é Direito; é armadilha.
A Postura do Escritório
Para os optantes pelo Simples Nacional, a orientação é de cautela, mas de firmeza. A cobrança de IR sobre sua distribuição de lucros, baseada apenas na opinião do Fisco e à revelia do que disciplina, tanto a Constituição, quanto as Leis Complementares 95 e 123 é inconstitucional e ilegal.
A Schwingel & Lamonica Advogados Associados entende que a segurança jurídica é inegociável. Enquanto não houver Lei Complementar revogando expressamente o benefício, como manda o ordenamento jurídico, a isenção permanece vigente. Estamos prontos para combater judicialmente esse "ativismo fiscal" que tenta criar tributos onde a lei silenciou.




Postado por:
Cléberson Rodolfo Vieira Schwingel
cleberson@sl.adv.br