RAIO X DO SEGURO RURAL


O mercado de seguro rural no Brasil tem se desenvolvido positivamente. As dimensões geográficas da nação, a diversidade climática, os tipos de solo, a variação de preço dos produtos, o conhecimento dos produtores sobre os mecanismos dos contratos de seguro, a inexistência de histórico preciso e confiável acerca da produtividade em cada uma das regiões, enfim, diversos são os fatores que integram essa complexa modalidade de garantia. O seguro rural pode ser agrícola (cobertura para as lavouras), pecuário (animais), aquícola (peixes), de benfeitorias (relativas à atividade rural), de penhor rural (garantias vinculadas a operações de crédito rural), de florestas e de Cédula de Produto Rural (título representativo de obrigação de entrega futura de produtos rurais). Dentre todos, o agrícola é o mais comum, geralmente vinculado a operações de custeio agrícola. O seguro agrícola garante a possibilidade de indenização, limitada ao valor segurado constante da apólice, em caso de perda por risco coberto (sendo os mais comuns: incêndio; raio; tromba d’água; ventos fortes; ventos frios; granizo; chuva excessiva; seca; geada; e variação excessiva de temperatura), considerando-se a produtividade esperada e a alcançada, também constantes da apólice. O seguro de faturamento (bem mais recente), por sua vez, garante ao produtor possível indenização, limitada ao valor constante da apólice, vinculada à diferença entre o faturamento esperado e aquele alcançado pelo segurado, desde que decorrente dos riscos cobertos que, além daqueles mencionados anteriormente, inclui a variação de preço de mercado, obedecidos determinados critérios. Essa segunda opção de contrato de seguro mostra-se mais efetiva na medida em que reúne condições de assegurar o faturamento tanto por perdas climáticas quanto por perdas em decorrência da oscilação de preços do mercado. Portanto, quanto maior a adesão dos produtores aos contratos de seguro desse tipo, maiores serão as possibilidades de as companhias seguradoras passarem a oferecer um produto com coberturas mais amplas e com preços mais acessíveis. Com o passar do tempo, o seguro rural passou a ser taxado como de catástrofe, ou seja, somente seria possível o recebimento de indenização em caso de grandes perdas (em razão dos mecanismos limitadores constantes dos contratos), o que excluiria o principal objetivo do seguro que é o de garantir o desempenho da atividade agropecuária sem grandes riscos de inadimplemento junto aos credores ou de perda de faturamento, tudo mediante a transferência de riscos. Visando a que tal objetivo seja atingido, o Governo Federal tem ajudado, em parte, com o programa de subvenção do seguro rural (Lei 10823/2003) cujos princípios são “a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como mitigador dos efeitos dos riscos climáticos das atividades agropecuárias, atuando como um instrumento para a estabilidade da renda agropecuária; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário”. Além disso, os Governos dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná mantêm programas adicionais semelhantes, o que contribui ainda mais para a popularização das contratações. O Governo Federal também criou o chamado “fundo de catástrofe” (Lei Complementar n. 137/2010) que, a despeito de ainda não ter sido regulamentado, estabelece a criação de um fundo misto, com Recursos Públicos e Privados, que funcionará como uma espécie de garantia adicional para Seguradoras e Resseguradoras no que diz respeito a contratos de seguro rural. Na prática, é comum surgirem questionamentos (e não são poucos) acerca de indenizações securitárias (especialmente quando há perdas significativas e concentradas em determinadas regiões) que por diversas vezes são negadas pelas companhias que se apegam a particularidades dos contratos de seguro. As chamadas condições gerais (em alguns casos complementadas por condições especiais) dos seguros elaboradas pelas companhias são verdadeiros tratados de obrigações (chegam a mais de 40 páginas) que devem ser minuciosamente observadas pelo segurado que simplesmente adere (são os conhecidos contratos de adesão segundo os quais o consumidor não discute as normas, apenas aceita) sob pena de que os pedidos de indenização sejam, administrativamente, negados. Com isso, é recomendável que os produtores mantenham assessoria, seja na contratação ou em eventual necessidade de liquidação de sinistros (ocorrência de evento coberto pela apólice) ante os inúmeros detalhes que podem passar despercebidos. Justamente por tratar-se de contratos de adesão, é comum a imposição de obrigações ilegais e arbitrárias. Obviamente, a maioria das regras constantes das condições estabelecidas pelas seguradoras é legítima e de acordo com a lei. A Superintendência de Seguros Privados –SUSEP é o órgão governamental regulador responsável pela fiscalização e aprovação de normas que regem os contratos de seguro. Contudo, ainda que aprovadas pela SUSEP, as condições dos seguros devem obedecer as leis ditas maiores, como o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Constituição Federal . De toda sorte, o consumidor não poderá ser submetido a abusos que o coloquem em desvantagem exagerada em relação ao segurador, sendo que a interpretação deve ser-lhe mais favorável. As cláusulas restritivas de direitos devem ser devidamente destacadas e de fácil compreensão. Também há princípios importantes na legislação civil, como o da boa-fé, muito utilizada pelos juízes para identificar a quem cabe o direito em caso de contestação de indenizações. Ocorrem situações em que a indenização paga pela seguradora se dá em montante inferior ao que deveria ser efetivamente pago, considerando as perdas e a importância segurada na apólice. Os laudos periciais elaborados pelos peritos nomeados (ou do quadro de funcionários da seguradora) não são absolutos e podem ser contestados pelo segurado. Determinada seguradora prevê possibilidade de tentativa de solução de impasse com nomeação, em comum, até mesmo de um terceiro perito a fim de por fim á discussão. Ainda assim, o segurado não é obrigado a aceitar tal procedimento, podendo optar pela discussão judicial, se necessário. Dependendo da situação, faz-se necessária a propositura de ação judicial com o fim específico de produção antecipada de provas a fim de instruir futuro processo, uma vez que, com o passar do tempo, será praticamente impossível identificar as reais condições de perda da lavoura. Os segurados devem, portanto, dar atenção especial aos laudos de assistência técnica elaborados por agrônomos que acompanham as lavouras desde a implantação até a colheita. Nestes documentos estão especificados todos os detalhes da lavoura, suficientes a justificar as coberturas de eventuais sinistros cobertos pela respectiva apólice. Isso tem sido aceito pelo judiciário de maneira que a seguradora não pode, com base em informações unilaterais de laudos produzidos somente ao final do ciclo produtivo, negar o pedido legítimo de indenização. Outro ponto a ser destacado diz respeito ao prazo de quinze dias, contados do recebimento da proposta, de que a seguradora dispõe para se manifestar sobre a recusa quando da contratação do risco proposto. Passado este período, o risco deve, obrigatoriamente, ser aceito, e em caso de sinistro, o segurado tem direito à possível indenização. Por fim, há casos absurdos em que determinadas seguradoras, unilateralmente e sem justificativa plausível (corrigível pelo judiciário), concluem pela necessidade de readequação (para importância menor) do capital segurado, procedendo-se a devolução parcial do prêmio pago. Logicamente, trata-se de atitude com o fim de esquivar-se (ao menos na maioria dos casos) do pagamento de indenização devida ao segurado. Enfim, o que se observa é a crescente preocupação do Governo, tanto Federal quanto os Estaduais, em relação à necessidade de popularização do seguro rural de maneira a atingir o maior número de lavouras possível; as seguradoras, por sua vez, têm feito os ajustes possíveis a fim de atender a demanda dos produtores, especialmente em relação à opção de seguros vinculados ao faturamento esperado; e o judiciário, por seu turno, tem cumprido seu papel de bem aplicar a lei no sentido de que os direitos dos produtores não sejam violados. *Artigo publicado na Revista Agro DBO n. 43


Postado por:
Fábio Lamonica Pereira

Advogado em Direito do Agronegócio

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