TRABALHO ESCRAVO E A PERDA DE TERRAS


Desde o mês de junho de 2014 nossa Constituição Federal sofreu alteração na redação de seu art. 243, por meio da emenda n. 81, passando a dispor: “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.”. Referida determinação Constitucional prevê processo de expropriação, sem qualquer tipo de indenização ao proprietário (tanto de imóvel urbano quanto rural), caso seja identificada na respectiva área a exploração de trabalho escravo. Feita a expropriação, a área será destinada para a reforma agrária ou programas de habitação popular, conforme o caso. A definição de trabalho escravo pode ser encontrada na redação do Código Penal brasileiro em seu art. 149: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (...)” Juntando-se a definição de trabalho escravo com as novas disposições Constitucionais, a fragilidade e o risco das relações de trabalho no campo passam a tomar proporções preocupantes. Primeiro porque o empregador rural, submetido à rigorosa fiscalização corre o risco de responder a processo na esfera penal em decorrência de manutenção de empregados em condições consideradas como análogas a de escravos, o que pode culminar em penas de até oito anos de reclusão, além de multa. Veja que o Código Penal ainda prevê as mesmas penas para aquele que “I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”. A pena ainda pode ser aumentada da metade caso o crime seja cometido “I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. Em segundo lugar, caso haja a constatação de exploração de trabalho escravo por parte do empregador rural, a área poderá ser objeto de expropriação sem qualquer tipo de indenização, a exemplo do que já era previsto para áreas em que se identificassem a exploração de culturas ilegais de plantas psicotrópicas, como a maconha, por exemplo. As disposições do Código Penal que caracterizam o trabalho escravo servem de base para a atual regulamentação, por meio da Instrução Normativa n. 91 de outubro de 2011 do Ministério do Trabalho e Emprego, em que há a definição pormenorizada do que caracteriza o trabalho escravo, justamente para nortear o trabalho do profissional responsável pela fiscalização e respectiva autuação administrativa. A título de exemplo, vale citar a definição da Instrução acerca de “jornada exaustiva”: “toda jornada de trabalho de natureza física ou mental que, por sua extensão ou intensidade, cause esgotamento das capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua segurança e/ou a sua saúde”. Nota-se, porém, que as definições favorecem interpretações subjetivas, o que pode, facilmente, levar o proprietário a ser penalizado civilmente, além de sofrer processo penal e chegar até a expropriação de suas terras. O trabalho nas áreas rurais tem características próprias. As exigências quanto a horários, forma de trabalho e descanso são muito diferentes das atividades urbanas. São concentrados em determinadas épocas, como quando da implantação e colheita das safras, por exemplo. Por isso, é necessária a alteração também da legislação trabalhista a fim de abordar especificamente as diferenças entre o trabalho rural e o urbano, evitando interpretações absurdas e a processos injustos. É essencial ressaltar que a Constituição não prevê que o produtor seja penalmente condenado para que haja a expropriação de terras. Prevê, tão somente, a constatação de trabalho escravo, o que, atualmente, se dá por meio de processo administrativo previsto em normas do Ministério do Trabalho e Emprego, como citado. Obviamente será necessária a regulamentação do referido artigo de forma a prever processo judicial de expropriação, a exemplo do que ocorre em casos de cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. De toda sorte, o proprietário da área é quem responde perante as autoridades fiscalizadoras quanto ao que acontece em suas terras. Assim, se contrata um responsável por gerir as relações trabalhistas, deve, no mínimo, assegurar-se, regularmente, de que as normas estejam sendo rigorosamente observadas. Ainda que nossa Constituição Federal assegure o direito ao devido processo legal e todos os meios de defesa permitidos em lei, bem como assegure a presunção de inocência, os mecanismos ora vigentes tornam, sem dúvida, as relações de trabalho no campo mais frágeis e inseguras, o que demanda cuidado redobrado por parte dos proprietários rurais. * Artigo publicado na edição n. 57 da Revista AgroDBO


Postado por:
Fábio Lamonica Pereira

Advogado em Direito do Agronegócio

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