O Conto do Bilhete Premiado


Os oportunistas sempre estão à procura de vítimas quando o problema a ser resolvido se constitui na necessidade de quitação de um débito de valor elevado, com pagamentos em dia ou atrasados, seja em cobrança administrativa ou judicial, junto a uma instituição financeira pública ou privada. Nesse caso, um intermediador toma conhecimento (não se sabe como) de que o devedor precisa saldar um empréstimo bancário. Então, passa a oferecer a venda de um crédito que poderá ser usado para quitar a dívida ou, caso a cobrança seja judicial, garantir o pagamento até decisão final do judiciário. A venda do crédito é, na verdade, apresentada de maneira realmente atrativa, sendo concedidos descontos de até 80%. Isso mesmo, promete-se que, ao se pagar até 20% do valor total, a dívida poderá ser quitada ou garantida, havendo, portanto, grande pressão para que o negócio seja fechado o mais rápido possível. Confiando na promessa de que levará grande vantagem (esse é o problema), o devedor concorda em comprar o crédito. Veja que a negociação envolve intermediários que exigirão, obviamente, uma comissão significativa, mediante pagamento antecipado. O devedor não escapará de assinar um contrato (muitas vezes mais oneroso que o assumido com a instituição financeira) se comprometendo com o pagamento do crédito, do serviço prestado, etc. Sem investigar a origem do suposto crédito, o devedor concorda em realizar todo o procedimento. A cessão (transferência) do crédito é realizada em Cartório, por meio de Escritura Pública, o que transmite uma aparente segurança. Iniciando-se o procedimento, o devedor (que já pagou parte ou totalidade do crédito) é orientado até mesmo a deixar de pagar a instituição financeira, aguardando uma decisão judicial que determine a quitação do débito. Uma ação é distribuída e pede-se uma decisão liminar para que os débitos sejam quitados com o crédito que foi adquirido. Nessa fase o devedor já estaria praticamente tranquilo, sem o débito com a instituição financeira, um verdadeiro prêmio de loteria. É verdade que, de fato, há créditos que possuem origem idônea e podem ser utilizados para pagamento de dívidas junto a instituições financeiras, bem como ser oferecidos como garantia para discussão da dívida quando já houver cobrança judicial. Contudo, alguns cuidados devem ser tomados. Quando o valor do benefício for muito atrativo, a primeira atitude deve ser de cautela. Veja que uma operação de crédito firmada com uma instituição financeira é devidamente regulamentada por legislação específica e geralmente possui garantias, dentre outras, de bens do devedor e/ou de terceiros, o que dificulta a negociação com elevados descontos. Além disso, qual o motivo que leva um terceiro a vender um crédito com descontos tão expressivos, englobando ainda comissões e outras despesas? É imprescindível verificar a idoneidade do crédito. Caso se trate de um crédito originário de uma ação movida contra a instituição financeira, todo o processo judicial deverá ser cuidadosamente analisado a fim de que seja possível garantir que, de fato, o crédito tenha efetiva validade. Caso se trate de debêntures (é um título de dívida que confere a seu detentor um direito de crédito contra a companhia que o emitiu) ou de ações é preciso investigar se aquele que está cedendo (transferindo) o crédito de fato é o titular de direito, bem como apurar o real valor de mercado e a facilidade de venda. De toda forma, com a propositura de uma ação, o juiz poderá conceder uma decisão liminar, é verdade, mas será provisória, podendo ser alterada e mesmo objeto de Recurso por parte da instituição financeira. E, tratando-se de um processo, deverá atravessar todas as fases de defesa por parte do banco (sendo que este geralmente se utiliza de todos os recursos cabíveis) até que haja uma decisão definitiva sobre a questão da qual não caiba mais recurso. Assim, nessas situações a recomendação é simples, ou seja, deve-se utilizar a razão e buscar o máximo de informações confiáveis antes de assumir um compromisso que poderá trazer graves e custosos problemas ao invés de soluções. Fábio Lamonica Pereira Advogado em Direito do Agronegócio *Publicado na edição n. 72 da Revista AgroDBO


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Fábio Lamonica Pereira

Advogado em Direito do Agronegócio

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